Talvez nós, pessoas brancas, nunca tenhamos ouvido falar em “teste do pescoço”, e estranhemos o nome, achando que se trata de algum termo da ortopedia, ou mesmo da fisioterapia. Quem sabe ginástica laboral. De fato estamos falando menos em mobilidade de membros – e mais em percepção de realidades.
Antes mesmo de saber que existia um nome formal para esse exercício eu gostava de encerrar minhas falas sobre racismo, ou adoção inter-racial, propondo um desafio para as pessoas: que elas escolhessem um local no dia, podendo ser uma farmácia, restaurante, supermercado, loja, qualquer lugar, e parassem por 30 segundos para observar se naquele ambiente existiam pessoas negras.
Esse era o primeiro passo, e talvez fosse simples de responder que sim. Mas aí entrava o segundo ponto: qual é o lugar ocupado por essas pessoas? Elas estão servindo ou sendo servidas? Consumindo ou atendendo? Chefiando ou responsáveis pela limpeza?
É preciso que pausemos um pouco o nosso modo automatizado de viver para que deixemos de normalizar a falta de ocupação de pessoas negras em lugares de protagonismo, de decisão, de consumo, na mesma medida que achamos estar tudo bem, no fato delas estarem no lado oposto, o da subalternidade.
Pois descobri que existe um nome já consagrado para este tipo de aprendizado social: teste do pescoço.
Parar, olhar para um lado, olhar para o outro, e fazer esse mesmo exercício de constatação.
Já é um grande avanço quando desejamos sair do automático. A constatação pela constatação, no entanto, gera poucas mudanças. Precisamos ir além.
Precisamos entender que essa repetição de configuração da ocupação de lugares tem um nome. Ela se chama “pacto da branquitude”.
         É um sistema que vai além da referência à cor da pele. É uma força que opera silenciosamente para a manutenção de privilégios pelas pessoas que os tem naturalmente: nós, os brancos.
Mas se somos nós os grandes privilegiados, também recaem sobre nossos ombros algumas responsabilidades. Perceber a disparidade na ocupação de lugares, ainda que em ambientes do nosso cotidiano, e não nos indignarmos, é uma reprodução racista e um tijolinho a mais colocado na edificação dos privilégios da branquitude.
Temos que nos incomodar – mas ainda assim, não é o bastante. Precisamos agir. Questionar. Mudar o que está ao nosso alcance, causar incômodo também nas pessoas responsáveis pelas tomadas de decisão. Precisamos levar essa conversa para o almoço de domingo, o cafezinho do trabalho, a porta da escola dos nossos filhos.
Negros são a maioria da população do Brasil. Segundo o resultado do Censo de 2022, divulgado recentemente, somos compostos de 10,2% de pretos e 45,3% de pardos. Ou seja, 55,5% de pessoas negras, segundo a classificação do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística). E a questão que fica é: por que, então, quando paramos para fazer o tal teste do pescoço nos ambientes que frequentamos, eles são minoria? E ainda mais minoria quando passamos a olhar os lugares de tomadas de decisão?
Existe um longo caminho de reparação histórica a ser trilhado, e ele é feito não só pela implementação de políticas afirmativas, como de cotas raciais, que já começam a mostrar seus resultados, e também por um processo de desestigmatização do negro que abandona as posições mais baixas, a ele reservadas de acordo com o imaginário popular para ascender profissional e socialmente.
A cor segue chegando antes. O negro é questionado direta e indiretamente todos os dias, pressionado todo o tempo a provar seu valor e sua competência para estar onde está. Isso sem contar na solidão de muitas vezes ser o único na ocupação de espaços, e na crença de que chegou àquele lugar exclusivamente em razão de uma política de cotas, ainda que seja mais capacitado que os brancos na mesma posição.
Até quando vamos seguir ignorando nossa responsabilidade em fazer do teste do pescoço um hábito, não só no sentido de observarmos os lugares, mas também de nos indignarmos e tomarmos a decisão de não mais contribuir para o fortalecimento do pacto da branquitude?
É sempre tempo de encararmos de frente que precisamos  utilizar os privilégios que a cor de pele nos confere de forma automática para fazermos diferente, desempenhando a nossa parte na construção do mundo igualitário que defendemos nas redes sociais.
*Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do IstoÉ.